quinta-feira, 28 de julho de 2016

(Palavras em verso)

Lagrimograma oculto

A languidez imensurável não pode
esquematizar um lagrimograma oculto.
Missão impossível sobre bolhinhas flutuantes.
Como tentar parecer o que de fato se é?
Filosofia não de botequim,
mas de final de noite.
Como moldurar um esquisita menina
perdida num acaso:
situação certinha e quadradinha
feito caixinha de fósforos
vazia.
Anos atrás, a menina era a mulher do presidente,
perdida num noivado familiar.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

(Palavras em verso)

O ritmo dessa pétala

Como definir a avidez
dessa coisa que é linda
e teima em não querer findar?
Sussuro, voo de pássaro?
Pétala de flor acetinada, 
fio luminoso a cintilar no escuro
escabroso como luzes neon,
a brilhar no caos desta cidade.
Água pura retilínea disforme
a escorregar por entre a gruta
em sua nascente,
a correr, jorra em cascata monstruosa,
deságua no mar, a céu aberto.
Ai, que esse amor se agarra rochedos,
escorrega, finca as unhas,
se agarra firme no penhasco,
para não desabar no abismo
infinitamente a se deixar morrer.
É certo, na pétala dessa flor, há essa gota de orvalho.

É certo, dentro de mim, há esse amor.


terça-feira, 19 de julho de 2016

(Palavras em verso)

PUNK POR ALGUNS INSTANTES

Poderia explodir:
Aquele momento na infância
quando havia uma música
em que tudo era preto,
poderia ser agora

Aquela vontade irresistível 
de poder ser punk por alguns instantes
 e sair por aí chutando latas de lixo,
fumar desesperadamente e se embriagar.
Ir até o centro da cidade e cheirar monóxido de carbono
saído dos carros, das tublações, das chaminés,
daquela cidade suja, literalmente horrível.
É a única coisa que identifica.

Aquela fissura, entrar em algum underground,
dançar freneticamente,
aquela música visivelmente explosiva,
que não contrasta e então cantá-la,
e o acorde final, se é que há acorde, 
é um grito desesperado
lavado com lágrimas poluídas
explodindo, liberando,
átomos de revolta e amargura.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

(Palavras em verso)

TEAR




Fios
Cabelos em cachos, fios soltos,
moldura esposta, linha obscura,
arquitetura de véus envoltos
por qualquer brisa perdida há horas
pelo salão, enquanto dançam,
e vão e vêm e girobalançam,
redemoinham de encontro à valva
num frenesi de sutis encantos.



Trança
Sobre o dorso a trança estendida
tear de retas entrelaçadas
no tempo e em sonhos absolutos,
linha de história reimaginada,
de algum passante, desejo oculto
feixe de enleios, sedosa escada.

Teia
Teia dourada, suave trilha,
rastros de fada, tez andarilha;
suspiro leve, fio entreaberto,
lasca de ébano cintila
o lustre fosco, trilha tramada
no lusco-fusco da madrugada.


  Chama                                      
Uma chama se consome
como fina labareda
fio de cobre quando some
lume-fogo quando queima,
como espectro que treme
sombra que molda a chama
volta ao início a trama
fachos de fitas tênues.





terça-feira, 12 de julho de 2016

(Palavras em verso)

Do culto à morte



O homem cultua a morte
nas cores negras que usam os ocidentais 
diariamente
O homem cultua a morte
no café de meia em meia hora,
no cigarro aspirado com força,
na refeição que não se faz
nos ônibus lotados demais.
Ao atravessar a avenida
o homem de negro não percebe
como é frágil a sua vida
(a linha que o segura a este mundo
é fina como a tênue teia
que vi no jardim ontem à noite)
O homem cultua a morte
imperceptivelmente
insistentemente
No não que se diz por comodismo
no sorriso que não se dá ao outro
na constante ausência de tempo,
o homem cultua a morte.
Um culto inconsciente e querido
que nem sempre se pratica com tristeza.
A força contrária do culto à morte
só se assemelha às paixões e ao desejo...